Saúde

A loteria do atendimento à noite nas UBS

Usuários dão de cara com portas fechadas e falta de médicos nos postos de saúde que deveriam atender a população dos bairros após as 18h

Não é fácil a vida de quem depende da rede de saúde em Pelotas. Tão difícil quanto conseguir uma ficha para consulta com um clínico geral ou especialista nas unidades é encontrar alguma delas aberta no turno da noite. O Diário Popular percorreu cinco diferentes pontos da cidade que - ao menos oficialmente - oferecem atendimento após as 18h nos bairros: as Unidades Básicas de Saúde (UBS) PAM Fragata, Fraget, Cohab Lindoia e Bom Jesus, além da UBAI Navegantes. A constatação é de que ou o cidadão encontra portas fechadas e luzes apagadas ou, com um pouco mais de sorte, é recebido por atendentes que lhe informam dos desfalques das equipes e da possibilidade do serviço incompleto.

Leitores e moradores do Fragata já devem ter se identificado. Afinal, as duas UBS da região que deveriam acolher pacientes até mais tarde têm sérios problemas. Na PAM Fragata, o horário de funcionamento estampado na placa (das 7h às 19h) é só ficção, contam os vizinhos, que não lembram de ver movimentação após as 17h. “E tem mais: para conseguir uma consulta é uma luta. Se passar aqui no domingo à noite já vai ter gente esperando para pegar ficha de atendimento para a semana toda”, protesta a autônoma Luciane Sedrez, 49. Outro problema estampado durante a semana na janela da unidade era a falta de farmacêutico. Um aviso pedia aos usuários que retirassem os medicamentos na Cohab Guabiroba, exigindo pelo menos meia hora de caminhada.

Ainda no Fragata, dois quilômetros adiante, a realidade no Fraget também não é das melhores. Por duas vezes a reportagem esteve na UBS antes das 22h (horário limite) e encontrou tudo fechado. No local, apenas moradores de rua que dormem na porta. Moradora das proximidades que tenta uma consulta há quatro meses por conta de doença na tireoide, a aposentada Irani Mendes, 74, afirma que após as 21h o posto atrai apenas usuários de drogas. “Eles passam a noite aí e ainda pegam as fichas para vender no dia seguinte a uns R$ 40,00. Só consulta quem compra ficha ou se arrisca e passa a madrugada. Não tenho condições disso.”

Quando tem médico, não tem enfermeiro. E vice-versa
“Estou há uma semana esperando consulta. Quarta-feira passada (9) o médico não apareceu, na sexta faltou de novo. Tentei marcar para essa semana, mas disseram que o clínico estaria em um congresso.” A reclamação é de Nelimar Machado, 60. Hipertensa, a bordadeira estava entre as oito pessoas que aguardavam para serem atendidas às 21h30min de segunda-feira (14) na Cohab Lindoia. Sem o aval médico, não tinha como receber de graça os medicamentos que precisa usar.

Enquanto ela aguardava há três horas e meia, a equipe de enfermagem já havia se despedido duas horas antes do horário de encerramento das atividades. Permaneciam no posto apenas um atendente e o clínico. Na quinta-feira (17), o inverso: dispensado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para um congresso, o médico faltou e uma enfermeira fazia o acolhimento aos pacientes.

Já na Bom Jesus, uma das três UBS vinculadas à Rede Bem Cuidar, definida pela Prefeitura em seu site como “um novo conceito de atendimento em saúde”, nada de inovador. Na primeira visita feita pelo Diário Popular na noite de segunda (14), enfermeiros e um dentista permaneciam no posto. O pediatra que possuía quatro consultas marcadas - dentre elas a de um bebê de um mês - não apareceu para trabalhar e tampouco avisou o restante da equipe. Já na quinta-feira (18), tudo escuro e portas fechadas.

Exceção
Dentre as visitas feitas pela reportagem a pontos de atendimento à noite, apenas a UBAI Navegantes apresentava funcionamento dentro da normalidade, com equipe médica e de enfermagem adequadas e com serviços funcionando até as 23h. Bom para a mãe do pequeno Joaquim, de nove meses. Na noite de segunda o pequeno, que já estava com uma febre insistente há três dias, começou a apresentar algumas manchas no corpo.

“Começou a pipocar e nos assustamos. Ainda bem que chegamos aqui na UBAI e havia pediatra para atender e medicar. Agora vamos voltar para casa e dar um jeito nessa febre”, aliviou-se a comerciante Priscila de Ávila, 31.

Contraponto
A secretária de Saúde, Ana Costa, afirma que os problemas relacionados à venda de fichas de atendimento nos postos de saúde é de difícil fiscalização, já que mesmo com a exigência da identidade do paciente para a marcação, muitas pessoas entregam seu documento e pagam para que alguém agende a consulta. “Temos consciência desse problema e a solução para resolvê-lo é acabar com as fichas através do teleagendamento, que deverá ser implantado no primeiro semestre do ano que vem”, explica.

Sobre a ausência de médicos e o fechamento de unidades antes do horário estipulado, a gestora diz que irá cobrar das equipes as razões e tomar medidas administrativas para solucionar os problemas. “Há uma dificuldade em cobrir ausências porque no último concurso com 30 vagas para médicos apenas quatro se apresentaram. Isso dificulta a reposição. De qualquer forma, queremos ter médicos em todos os postos e eventuais faltas não impedem que a unidade fique aberta, acolha e se necessário encaminhe o paciente a outro local.”

As unidades visitadas

►UBS PAM Fragata
Horário de atendimento: das 7h às 19h
Na segunda (14) às 18h45min e na quinta (17) às 18h20min a unidade estava fechada. Na entrada, dois avisos informavam inexistência de fichas para ginecologistas e que a farmácia estava fechada por tempo indeterminado, sem farmacêutico. Os pacientes eram encaminhados para retirar remédios no posto da Cohab Guabiroba.

►UBS Fraget
Horário de atendimento: das 7h30min às 22h
Na segunda (14) às 21h30min e na quinta (17) às 20h45min a unidade estava fechada, com moradores de rua na porta aguardando para retirar fichas na manhã seguinte. Segundo moradores, cada vaga é vendida a R$ 40,00.

►UBS Cohab Lindoia
Horário de atendimento: das 7h30min às 22h
Na segunda (14) a unidade permaneceu aberta até as 22h. Porém, segundo usuários, a equipe de enfermagem saiu às 20h, permanecendo no posto apenas o clínico geral e um atendente no balcão, que afirmou que a UBS está sem médico no turno da manhã há pelo menos 30 dias devido a uma licença do profissional e no turno da tarde há duas semanas por conta de férias. Na quinta (17) às 20h40min a unidade estava aberta, porém sem médico. Segundo a equipe no local, o clínico do horário havia sido dispensado com autorização da Secretaria de Saúde para participação em um congresso médico.

►UBS Bom Jesus
Horário de atendimento: das 7h30min às 22h
Quando a reportagem esteve no local na segunda (14), às 19h36min, o posto estava aberto. Contava com equipe de enfermagem e uma dentista. O pediatra que tinha quatro consultas marcadas não estava na UBS e não comunicou a equipe da ausência. Na quinta (17) a unidade estava fechada às 20h40min, sem qualquer aviso indicando razão para a falta de atividades.

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